Durante muitos anos associou os picos de humor a fatores hormonais, típicos de uma mulher em idade fértil e de todas as condicionantes da vida adulta. Uma jovem mãe, dois filhos, um trabalho e uma casa para gerir. Visto de fora tinha tudo para ser uma pessoa feliz, um marido de quem gostava, filhos saudáveis, um emprego bem remunerado e uma vida facilitada. Mas a C. não se sentia feliz, tinha dias em que se sentia tão triste que sofria com esse egoísmo aparente que a levava a não querer sair de casa. Mas depois dos dias maus, voltavam os dias bons em que afinal tudo estava bem e não existiam medos nem angústias.
Ao fim de uns anos percebeu que vivia em ciclos e que precisava de ajuda e começou por ser acompanhada por um médico psiquiatra, iniciando uma medicação que a ajudava a compensar. Anos mais tarde descobriu que tinha um cancro na tiróide e a solução foi removê-la, novamente teve que lidar com a descompensação hormonal e voltaram os dias menos bons, nesta altura já os filhos tinham crescido e saído de casa. E foi num ápice que os dias menos bons deram lugar aos dias maus, aqueles em que se escondia num canto da lavandaria, enrolada em posição fetal à espera de nada. O seu estado anímico trazia-lhe vários desconfortos, estava irreconhecível pelo peso que tinha perdido. E cada dia que passava era-lhe mais e mais pesado. A família já não sabia mais como ajudar e aconselharam-se junto da equipa que a acompanhava, um médico psiquiatra e uma psicóloga, era urgente pensar num internamento mas seria complicado pois a C. não aceitava.
E os dias foram passando e o tormento da C. era cada vez mais notório, a família sentia-se cada vez mais impotente. Tinham medo, muito medo que algo terrível pudesse acontecer, o que veio a suceder numa manhã solarenga de inverno.
O acordar, para quem sofre de depressão profunda, é sempre um momento crítico, é o momento de enfrentar mais um novo dia, é o relembrar a angústia que a noite fez esquecer, e por vezes faltam as forças. Naquela manhã solarenga de inverno a C. desistiu de sofrer e lançou-se no vazio.
Foi um ato sem volta, mas não foi um ato de egoísmo nem teve como objetivo atingir os outros: foi o resultado de uma doença mental que mata tanto como outra qualquer. Tudo foi feito para a ajudar, mas fica sempre a dúvida se poderia ter sido feito mais ou melhor.
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